quarta-feira, janeiro 25, 2006

www.merdice.pt/bora_antesquefiqueatolado

Tanta gente que passava de um lado para o outro em hora de ponta e fui logo esbarrar na estatística! 20% dos jovens licenciados já saíram de Portugal. O número diz tudo e não diz nada, mas não me admira. 20% rapidamente passarão a 30%, 40%, parecendo os coitadinhos que fugiam nos 1900 ao regime. Fugiam por medo. Hoje fugimos por inteligência. Vivemos em tamanha merdice que chegámos ao cúmulo de a justificarmos e desculparmos, brincando aos criativos e "voilá", como vi ontem num centro de saúde, desenharmos um brilhante poster a dizer: "Não se irrite. Conserve a sua saúde".

Procurei definir o que é ser português e não sei. Porque no final de contas, apesar de haver portugueses de excepção e portugueses de trampa, o que conta é a média. E a média é assustadoramente ridícula. Salve-nos o sol, a praia, o cheiro a bikini e a maresia, o Euro2004, a selecção, o Eusébio, o Mourinho, a bifana e o derby, a Catarina Furtado e a Miss Playoby TV, a SIC Notícias e o Domingo Desportivo. Salve-nos o cozido - sim mãe quero mais! - o galo de barcelos, o Egas Moniz e o Zé Saramago, a Ribeira e o Pritzker do Siza Vieira...


A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres. Agora dizemos que Sócrates não serve. E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.

O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país. Porque pertenço a um país onde a "esperteza" é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E se tira um só jornal, deixando-se os demais onde estão.

Pertenço ao país onde as empresas privadas são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos. e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito.

Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.

Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros.

Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.

Onde nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns.

Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser "compradas", sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como "matéria-prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que nosso país precisa.

Esses defeitos, essa "chico-espertice portuguesa" congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são portugueses como nós, eleitos por nós. Nascidos aqui, não em outra parte...

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates fosse embora hoje mesmo, o próximo que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria-prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.

E não poderá fazer nada...

in Publico

2 Comments:

Blogger Raquel said...

Percebo o desespero e concordo em grande parte com o que dizes mas não sejas tão radical. Ser português também é (pela mesma ordem de ideias de ver o todo pela média) ser hospitaleiro, bem disposto, bom cozinheiro e, acima de tudo, ter nascido no cantinho mais maravilhoso do mundo: Portugal.

5:39 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Sr General, ja te disse que num pais de vistas curtas nao se pode esperar mais que isso... Ainda ha gente séria e competente em Portugal, mas é pena que sejam a minoria. Portugal é um pais com muitas coisas boas mas também nem sempre as aproveitamos bem: hospitalidade, praia, sol... Inscreve te numas aulas de Surf para aproveitares o melhor que o pais tem ! Ja sabes que eu como emigras cada vez gosto mais de Portugal para passar férias... é que realmente esses 20% têm tendência a aumentar... Akele abraço, Ren

11:33 da manhã  

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